A IA vai acabar com a psicanálise?
Ainda não muito difundido no Brasil, o uso de Inteligência Artificial (IA) para fins de atendimento psicoterápico em diversas abordagens é uma realidade nos Estados Unidos. Programas de saúde do governo e companhias de seguro procuram sistematizar a aplicação da IA em atendimentos de massa, suprindo a crescente procura e a escassez de profissionais, assim como contornar os custos proibitivos do tratamento psicoterápico para a maioria da população.
Autoridade mundial em IA seguido por milhões nas redes sociais, Lance Eliot foca seu interesse especificamente na ligação da IA com a psicanálise. No artigo “How Psychoanalysis Can Be Used To Study AI's Complexities” (2024), faz uma apresentação sintética do funcionamento da IA generativa e estabelece linhas de exploração para um trabalho conjunto entre os dois campos. Em diálogos com o chatbot, Lance comprova a capacidade que ele tem de produzir interpretações psicanalíticas.
Lance mostra a imprevista afinidade entre uma criação científica de ponta (a IA generativa) e a psicanálise, cuja morte por obsolescência já foi muitas vezes decretada pela própria “ciência”.
Como em todos os campos, o uso da IA nos tratamentos psicoterápicos e na própria psicanálise alimenta a fantasia de que ela tornaria obsoleta a presença humana. Ao ser indagado sobre essa possibilidade, o próprio ChatGPT a rejeita, afirmando que a interpretação psicanalítica tem uma imprescindível dimensão transferencial-contratransferencial, própria de uma relação afetiva entre dois seres humanos, coisa que ela (Inteligência Artificial) jamais poderá estabelecer.
Contudo, devemos lembrar que se o ChatGPT não é capaz de estabelecer uma contratransferência com o usuário que o utilize para fins terapêuticos (um “paciente”, digamos assim), este pode perfeitamente desenvolver uma transferência em relação ao chatbot, como afirma Leslie Chapman (2025) e vimos no filme Ela (Her, 2013), dirigido por Spike Jonze.
O que importa salientar é que se a interpretação fornecida pela IA exclui a relação transferencial-contratransferencial isso não a anula, pois ela retem a dimensão hermenêutica, a decifração dos conteúdos inconscientes que se expressam numa lógica própria, diferente da lógica racional.
A IA está sendo usada na medicina em programas que recebem a história clínica do paciente e os exames laboratoriais relacionados, com esses dados produz hipóteses diagnósticas e propõe condutas terapêuticas que coloca à disposição do clínico. Não é legitimo pensar algo semelhante em relação à psicanálise? O chatbot poderia vir a ser uma forma promissora de checar nossas próprias interpretações?
Na formação psicanalítica, é fundamental a presença do supervisor, um analista de maior experiência clínica e conhecimento teórico a quem recorre o analista jovem. Poderia a IA ser uma espécie de “supervisor” que apontaria as possibilidades interpretativas de um determinado material, que seriam então confrontadas pelo próprio analista que o consulta (ao comparar sua própria interpretação com a produzida pela IA) e pelo supervisor convencional, capaz de lidar com a transferência, que, como vimos, a IA não consegue?
Seriam espúrias tais considerações? Uma capitulação às máquinas invasoras que vão nos eliminar? Uma degradação da psicanálise, que ficaria uma coisa “maquinal”, “estereotipada”, “desumana”? Penso que não. Devemos manter a ininterrupta defesa do saber psicanalítico, permanentemente atacado por forças que tentam reprimir e negar a descoberta freudiana do inconsciente mas isso não significa idealizar ou mistificar a psicanalise, deixando-a impermeável a novos desdobramentos. Nossa prática deve ser o mais transparente possível, distante do pensamento mágico-religioso e próximo da objetividade de uma racionalidade que não exclua o inconsciente.
O fato de a IA poder interpretar psicanaliticamente não nos torna obsoletos, pois à sua interpretação falta a dimensão transferencial, que é nosso apanágio. Pelo contrário, mostra que nosso conhecimento é consistente, tem uma epistemologia própria, que as interpretações não são delírios ou construções arbitrárias criadas ao sabor dos humores dos analistas e sim uma refinada e complexa construção ideoafetiva.
Algo semelhante ocorre com o tradutor. As traduções instantâneas da IA facilitam em muito seu trabalho mas não o dispensa, pois ele continua imprescindível nas traduções mais refinadas, no trato poético das línguas. Da mesma forma, à interpretação psicanalítica da IA falta a poesia, o amor, o afeto, a delicadeza do saber quando e quanto dizer, algo que só a relação humana (transferência) garante.
Não é possível prever os efeitos positivos e negativos da divulgação em larga escala dos conhecimentos analíticos que a IA pode proporcionar. Por exemplo, aumentariam as defesas e resistências ligadas à racionalização? O sujeito poderia discorrer sobre seu próprio inconsciente, sem ter um verdadeiro contato com ele.
A afirmação de que as máquinas dominarão o mundo e o destruirão deve ser interpretada. Mais uma vez projetamos no exterior - nas “máquinas” – a destrutividade que nos é inerente. Se algum dia o mundo for destruído (excluindo cataclimas naturais) o mais provável é que o seja não pelas “máquinas” e sim pelos homens que as controlam.
Na tarde do último sábado, 9 de novembro, o auditório do CAC foi palco de um encontro memorável promovido pelo grupo Conversas Psicanalíticas do Núcleo de Psicanálise do Norte do Paraná. Com a presença da diretora geral e fundadora da EPPM, Juana Ester Kogan, o evento abordou a importância dos encontros e dos vínculos ao longo da vida, questionando se somos realmente determinados apenas pela primeira infância.
O ponto alto da programação foi a exibição do filme “A Elegância do Ouriço”uma obra tocante que narra a vida de Paloma, uma menina de 11 anos que decide tirar a própria vida ao completar 12 anos. No entanto, sua perspectiva muda ao encontrar pessoas que a fazem reavaliar seu modo de ver o mundo, oferecendo-lhe um novo sentido e compreensão sobre a vida e os vínculos que transformam.
Após a exibição, Kogan conduziu uma reflexão aprofundada sobre as observações que o filme evoca. Em sua fala, ela destacou a potência dos vínculos humanos, que têm o poder de nos transformar ao longo do tempo, reforçando a importância de uma escuta atenta nos lugares de pertencimento.
Explorou também a visão binocular que a psicanálise oferece para entender as relações e os processos internos, salientando a importância de nos sentirmos ouvidos e pertencentes em nossos universos, famílias e grupos sociais para uma saúde mental mais saudável.
Aberta a discussão ao público - a conversa reuniu outros profissionais da área, leigos e também entusiastas da psicanálise que enriqueceram o debate sobre os vínculos que moldam e sustentam a vida humana. Os participantes trouxeram à tona reflexões profundas sobre temas cotidianos no ambiente clínico, ampliando o entendimento sobre a importância dos relacionamentos e dos encontros.
Foi uma tarde de trocas ricas e valiosas, onde os apaixonados pela psicanálise puderam compartilhar experiências, conhecimentos e perspectivas. Encontros como este são essenciais para fortalecer os laços entre os profissionais e promover uma reflexão contínua sobre temas que impactam diretamente a prática clínica.
As sutis apresentações do sofrimento psíquico que podem levar a pensamentos ou ato suicida, prevenção e saúde mental - neste último dia 26 de setembro, foram temas tratados pela coordenadora do curso “Introdução à Teoria e Prática de Wilfred Bion” da EPPM, Carina Ceron Benettão - que participou de uma conversa com Edson Valério na rádio RDR 95,3 FM.
Durante a entrevista, temas fundamentais sobre saúde mental, prevenção e suicídio foram explanados aos maringaenses e a professora e psicoterapeuta destacou que dor emocional não tem uma medida exata, pois cada indivíduo sente e processa o sofrimento de maneira única. O que pode parecer pequeno para uma pessoa talvez se torne imenso para outra, e é fundamental respeitar e compreender essas diferenças - que são nuances do sofrimento psíquico. Sendo assim, é de extrema importância saber reconhecer sinais sutis de alguém que pode estar enfrentando dificuldades emocionais.
Carina enfatizou que sinais de sofrimento podem se manifestar por meio de mudanças de comportamento como isolamento repentino, alterações no apetite, falta de interesse em atividades, aumento de irritabilidade, ausência da capacidade de conter emoções ou tristeza.
Com o objetivo de conscientizar os ouvintes sobre a importância de se manter alerta aos sintomas das pessoas ao nosso redor, além da manutenção do próprio bem-estar mental sem que sejam assuntos “tabus” - o locutor Edson Valério ressaltou a responsabilidade da mídia em contribuir para a disseminação de informações corretas e de qualidade sobre esses temas, destacando que a saúde mental é tão importante quanto qualquer outra questão de saúde pública.
Não apenas profissionais da saúde, mas também empresas e colegas de trabalho podem desempenhar um papel crucial na observação de mudanças comportamentais que podem expressar sofrimento psíquico.
Adotar uma postura proativa, oferecendo suporte emocional e espaços de escuta para seus colaboradores, ajudando a construir uma rede de cuidado mais ampla e com múltiplos profissionais da área da saude, é preciso - além de se oferecer um ambiente acolhedor, onde as pessoas sintam-se seguras para falar sobre suas dificuldades e sejam ouvidas de forma atenciosa.
São passos que parecem minúsculos mas importantes e que podem salvar vidas de pessoas em profundo desespero e desesperança. Enquanto sociedade, temos a responsabilidade de estar atentos aos sinais do outro, sendo empáticos e disponíveis para escutar, criando uma rede de apoio que pode mudar destinos que seriam tristes - em vontade de reviver e de se transformar. E isso é assunto para todos os dias.
A psicanalista Camila Mangolim discute a importância da conscientização sobre saúde mental e prevenção ao suicídio durante o Setembro Amarelo no programa Tarde na Band - enfatizando a necessidade de empatia e diálogo aberto para abordar o sofrimento silencioso que muitos experimentam.
Destaca o papel das campanhas e instituições na promoção da saúde mental e aconselha sobre o reconhecimento dos sinais de angústia, além da busca por ajuda profissional.
A conversa ressalta a importância de ouvir e apoiar aqueles que precisam, também aborda a importância de utilizar recursos como a linha de apoio do CVV, 188, para a prevenção ao suicídio.
A psicanalista Camila Mangolim, destaca a importância da campanha do Setembro Amarelo, a data mundial de prevenção ao suicídio e o cuidado durante todo o ano.
Mestre em psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), professora e coordenadora do Núcleo de Infância e Adolescência da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Maringá – EPPM, conversou com a reportagem do O Maringá em entrevista exclusiva.
Acompanhe detalhes sobre o tema, saiba como ajudar e buscar ajuda.
“Segure-os antes que caiam” - neste último dia 27 de agosto, Juana Ester Kogan foi palestrante para os alunos da UniFatecie sobre o sofrimento psíquico e o papel do psicanalista na clínica hoje.
No Dia do Psicólogo, a psicanalista discorreu sobre a importância da psicoterapia psicanalítica, especialmente em um mundo onde o sofrimento psíquico é muitas vezes mal compreendido.
Mostrou em sua fala como a dor emocional pode ser devastadora, mas também uma oportunidade de transformação (e nesse processo) qual é o papel crucial que o psicoterapeuta desempenha em oferecer um espaço seguro e acolhedor de reconstrução para o paciente.
Em um exemplo fictício, convocou os convidados a refletirem sobre o caso de João - um homem que enfrentava traumas passados e crises atuais (apontando de que modo a infância pode impactar a vida adulta e a importância de encontrar suporte para superar esses desafios).
Mostrou como em uma sociedade do barulho e da eficiência (que muitas vezes foge do sofrimento a qualquer custo, gerando distrações ou consumismo, por exemplo) - toda fuga pode agravar ainda mais o sofrimento, pois ignora a necessidade de enfrentar e entender as emoções dolorosas.
Concluiu então que psicoterapia psicanalítica oferece hoje - um caminho onde o paciente pode explorar e transformar suas experiências de maneira significativa… Ressignificando a vida e as emoções sentidas, e que o psicoterapeuta atual precisa de uma empatia educada para compreender e acompanhar as experiências do paciente, e poder reconhecer as formas ( por vezes encobertas) nas quais a dor se revela - a fim de encontrarem juntos um modo construtivo de transformar a interação terapêutica em caminho de autoconhecimento e reconstrução.